quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Capítulo III – Quadrado de cinco lados

Capítulo III – Quadrado de cinco lados

Erros de Continuidade

por Du, Dudu e Edu


Olhou para a direito e viu uma porta exatamente como a do elevador; olhou para a esquerda e viu o fosso da escada, além dele duas portas do mesmo tipo que estavam fechadas; diante do mesmo fosso de escada uma porta aberta. Voltou-se para a porta da direita, precisava encontrar agora a porta com os números 1-1-6. Percebeu as paredes do corredor que se alongava como sendo idênticas às do hall de entrada, assim como os pisos.

De onde estava, sem ter dado um passo sequer, pôde ver que o primeiro número era 128 e que o corredor se estendia sem janelas até fazer uma curva também à direita. Fez o caminho no sentido contrário imaginando estar no andar correto, pois as salas começavam com 1, de primeiro andar. Deixou a porta do elevador e seguiu à esquerda passou ao lado do fosso da escada e olhou para baixo, a numeração era mais baixa, olhou para baixo em direção aos degraus que estavam mais abaixo e não pôde ver a escada fazer curvas, nem pôde ver um degrau que pudesse chamar de último. Os degraus tinham a cor escura e suja dos pisos que já não eram pretos do chão xadrez.

Seguiu o corredor, dobrando à esquerda, e encontrando uma porta que estava entreaberta e dava acesso ao restante do corredor e a numeração era ainda mais baixa – 110 – ao caminhar, percebeu a mesma parede de camadas amarelas de antes as mesmas portas fechadas. Ao dobrar à esquerda novamente encontrou outro corredor que era como o anterior, e tocou a parede enquanto fazia a curva.

Tocou a parede como costumava fazer quando não sabia o que fazer, para ter apoio e se sentir mais seguro quando não sabia ao certo para onde ir. A parede era macia e elástica como a gota de tinta que escorreu na lata – mas que não secou por completo – formando uma camada borrachenta, e foi esta sensação que teve quando seus dedos tocaram a parede. Era macia demais para uma parede que deveria ser sólida, que como parede deveria prover sustentação para o teto e dividir ambientes.
Sem conseguir desprender-se da parede, pois a sensação era agradável como o calor de um abraço envolvente e protetor, baixou os olhos para o chão e ele parecia apenas um chão xadrez, o que lhe causou conforto, pois imaginou que se o chão fosse como as paredes estaria submergindo agora.

Lembrou-se do motivo de sua vinda e se tornou completamente ciente da prazerosa sensação que tragava ambas as suas mãos e seus braços finos e frágeis. Já estava quase se debruçando sobre a parede sem encontrar qualquer resistência da gravidade, era como se o centro da Terra para onde convergia todo a deformação do espaço e do tempo que chamamos de gravidade não mais estivesse sob os seus pés, e sim, à sua frente, dentro daquela parede. Uma vez mais se lembrou do porquê de estar lá.

Pensou em todos aqueles pequenos detalhes insólitos, contraditórios, inexplicáveis. Pesou na própria irrealidade de tudo que o cercara nos últimos minutos, fechou os olhos e recusou o acalento acolhedor daquele calor tátil. Desprendeu-se da parede sem que ela oferecesse qualquer resistência, e o vazio na parede que estava sendo ocupado por seu braço e mãos foi preguiçosamente preenchido pela parede de tinta esmalte amarela, com relutância até pode-se dizer.

Retomou seu caminho, ainda que numa passada mais lenta, prestando mais atenção à cada detalhe, sem temer nada do que via ou experimentava. Já nutria de muito tempo um imenso gosto por tudo o que desafiava o esperado, o tradicional, o corriqueiro, o mundano, o estabelecido. E foi aí, entre um passo de um pé esquerdo bem firmado e um passo de um pé esquerdo que se firmava que percebeu, e pela primeira vez se sobressaltou, seu coração segurou uma batida – temendo a quem pudesse ouvir – para bater com muito mais força em seguida, e mesmo assim, naquele silêncio que antecede o subir das cortinas, não pode ouvir o próprio coração bater.

Tampouco ouviu sua respiração, tomou ciência de que nada mais ouvira desde o estalo do elevador. Contudo, não se deteve. Prosseguiu. Dobrando a esquerda.

A alguns passos de onde estava, a parede amarela de tinta era escondida, encoberta por pilhas de livros até um ponto onde parecia tocar o teto, chegando a um ponto em que teria de caminhar de lado para passar entre as duas pilhas de livros, o que, a despeito do risco de ser soterrado por conhecimento em estado sólido, seria um prazer para um leitor ávido por novas páginas novas páginas empoeiradas ser soterrado sob tantos livros. Seria um fim que ele não temeria.

Encolheu a barriga e esvaziou o peito para diminuir a silhueta e seguir a diante calcanhar com calcanhar, esquerdo e direito, esquerdo e direito, esquerdo e direito. A poeira se prendia no cabelo e repousava sobre a roupa após ser enxotada de seu local de repouso. As lombadas dos livros pareciam intencionalmente voltadas para o corredor, de modo que quem passasse por ali pudesse saber seus títulos sem movê-los, o quê já parecia possível, pois havia algo mais do que poeira ali, não quis arriscar permitir que sua imaginação fosse muito além nesta questão, fechou os olhos e prosseguiu. Para distrair sua imaginação permitiu que ela imaginasse um modo de retirar um livro da pilha sem tombar tudo o mais ao se redor, e se lembrou de algo que viu e que não fora assimilado antes, os livros não tocavam as paredes, pensou em sua experiência anterior com a parede amarela e conclui que a decisão fora sábia.

Chegou num ponto em que podia ver uma falha na continuidade da fileira de livros, e imaginou ser uma saída deste corredor. Caminhou com firmeza até lá, e em modo furtivo, para não se deixar detectar tão logo. Apontou a cabeça pela falha na fileira e viu uma mesa de madeira cujo tampo lembrava uma fatia de um tronco de árvore com suas ranhuras internas e marcas de crescimento concêntricas, e logo lhe veio à cabeça a imagem de uma sequoia, já que a madeira era avermelhada e nunca uma árvore como o pau-brasil cresceria o bastante pra ter uma circunferência daquelas. Ali já não havia tanta poeira, os livros estavam por toda parte em estantes e pilhas, mesas e cadeiras; no entanto tudo parecia organizado e em seu devido lugar, olhou para direita, ainda sem entrar na sala e viu uma escada também de madeira, porém a madeira tinha um tom caramelado.

De onde estava podia ver os primeiros cinco ou seis degraus que eram bastante espaçados uns dos outros. Uma cauda branca de ponta negra pendeu sobre os degraus e balançou com a precisão de um pêndulo.

TIC – TAC ... TIC – TAC ... TIC – TAC ...

Havia uma cadência diferente da que esperaria de um pêndulo, mas a precisão da cadência era pendular, decididamente! Estancou esse tolo fluxo de pensamentos e ponderou sobre qual seria a forma daquilo que estaria na outra ponta da cauda de ponta negra.

Um comentário:

  1. Olá, tudo bem? Não sei se você se lembra de mim mas, há alguns dias, conversamos num chat do UOL. Você me passou seu blog, pois também escrevo, porém, não pegamos contato um do outro.
    Estou lendo seu blog e curtindo seu modo de escrever. Depois comento com mais propriedade. Se possível, existe algum e-mail de contato seu? Abraços. (depois, passo o link do meu blog, se você quiser)

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